20.8.09

Melody

Caixa bem rústica boiando na marola quase tropical de uma solidão européia.

Não precisa falar mais. Você tem reservas, mas mostra isso pra mim e com a voz infectada de desesperança pede que eu faça algo. Você gosta de falar assim baixinho como se estivesse pedindo ajuda. Só que depois sacode um chocalho novamente tentando se aproximar dos trópicos e fica patente que faz charme.

Todos gostam de um charme, alguns dos que charmeiam e dizem não fazer e outros dos que sabem que estão a charmear. A diferença é essa.

Você fica em silêncio porque sabe que faz charme e quando eu digo isso você sente até vontade de ir embora.

Porque esse não é são charme. Você não é do tipo que sai, você é aquele que se enverga sobre si mesmo com o corpo ereto e todos ao redor sentem que uma lança lhe atingiu, apesar de ainda fazer número.

A melodia não é da retirada, é da permanência afetada.

A sua.

É como eu comecei, e é assim que começa em você, com as batidas crescendo e você sentindo que está vivo, porém - contenha-se! - a elegância sempre vence.

(Texto orinalmente escrito para o blog musicapretexto.wordpress.com - para um melhor sentido ouvir de fundo a música "Melody", da banda Blonde Redhead, enquanto se lê - para isso é só clicar no título deste post, "Melody")

8.8.09

Menção honrosa na Off-FLIP

No mês passado um conto meu foi agraciado com Menção Honrosa no concurso de contos da Off-FLIP, evento literário que acontece em Paraty em paralelo à FLIP. O concurso era aberto a todos os países de língua portuguesa e terá um livro-coletânea publicado no ano que vem, incluindo o meu conto e todos os outros ganhadores. Meu conto agraciado chama-se "Monólogo a dois". Você pode baixá-lo e lê-lo no site do Portal Literal, é só clicar no título deste post.

2.8.09

Passa, passa

Enquanto aquilo acontecia era gente que aparecia e trazia consigo uma curiosidade que se renovava na gente aglomerada. Peraí, dexeupassar, oquequihouve?, caramba meu Deus. De três passou pra cinco que passou pra dez que passou pra vinte que passou pra cinqüenta e não parou por aí. Era um empurra, era um esbarra, um querovertambém tal qual só podia ser tragédia.

Parado o trânsito.

Um apito abafado soava irritado atravessado pelo vozerio que parecia compor uma parede de névoa maciça. A parede de névoa era a própria barreira do povo distante que se não conseguia enxergar com os olhos muito menos se esclarecia com os ouvidos.

Disseram que foi acidente, disseram que foi maldade, disseram coitado e que coisa. Ninguém ouviu certeza de morte, mas se já diziam que havia sangue na pista…

Acontecia e não vinha ambulância o que dirá bombeiro. Aqueles de trás gritavam se tinham chamado, os da frente respondiam que não havia necessidade e os de trás se perguntavam como não, se tinha gente morta se tinha sangue na pista, e então se bandeavam pra frente com as inquietações multiplicadas. Quando lá chegavam se admiravam e exclamavam silêncios só interrompidos ao avisar pros de trás que não havia necessidade.

Alguém perguntou se anotaram a placa, ninguém respondeu se anotaram a placa. Um falou que foi moto não foi carro.

Não tem mais jeito, já diziam, mas ninguém queria perder aquela cena, ela checando se ele reagia, ela esfregando a cara nele. Pediam pra parar com o empurra-empurra, o empurra-empurra não parava e uma moça que estava ali bem perto foi jogada pra cima do corpo e por sorte conseguiu pular. O moço do lado se exaltou e reclamou com o povo de trás que se acalmassem que ninguém queria assustar a cachorra.

A cachorra que já com a boca delicadamente cravada na pata do morto puxava o seu corpo. Puxava devagar e com cuidado, trazendo mais pra perto do meio-fio, arrastando mais pra longe do meio da pista.

Desabocanhou já na calçada e passeou o olhar pela multidão que em sua minoria se enterneceu e quis levá-la pra casa; em sua maioria se desinteressou e deixou a cachorra em paz, a cachorra que só foi lamber as feridas quando os carros voltaram a passar.